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Tema 999 do STF e Súmula 623 do STJ: imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de danos ambientais e sua natureza propter rem

01/11/2023 08:00

No Direito Ambiental Brasileiro, existem muitos temas que merecem destaque e geram conflitos de entendimento. Dois importantes temas sobre danos ambientais são: i) prescrição ou imprescritibilidade da pretensão de reparação civil por danos ambientais e ii) obrigação de reparação dos danos propter rem.

Poderia um cidadão que causou certo dano ambiental ser processado e condenado à sua reparação, passados vários anos da ocorrência dos danos ambientais? Ainda nessa linha, o comprador de um imóvel rural pode vir a ser processado e condenado à reparação de danos ambientais causados pelo antigo proprietário?

            Para responder a essa questão, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 654.833, julgou a matéria posta em discussão e, em acórdão proferido com repercussão geral (Tema 999), decidiu que é imprescritível a pretensão de reparação civil (por danos morais ou materiais) em razão de danos ambientais.

            O Supremo Tribunal Federal entendeu que, apesar de não existir previsão legal que contemple a questão da imprescritibilidade da reparação civil dos danos ambientais, a Constituição Federal protege expressamente o meio ambiente, prevendo, em seu artigo 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

            Dessa forma, vemos que a reparação civil de danos ambientais, morais ou materiais não é atingida pelos efeitos da prescrição, ou seja, a qualquer tempo o causador do dano ambiental poderá ser processado e condenado à sua reparação.

            Entendida a questão da imprescritibilidade da pretensão de reparação de danos civis que recai sobre os danos ambientais, pensemos no seguinte exemplo:

“João vendeu a Antônio um determinado imóvel rural e, quando ainda era proprietário, João desmatou grande parte da vegetação nativa ali existente.

 Passados cinquenta anos da compra, Antônio é processado, na esfera civil, pelo Ministério Público, que busca sua condenação à reparação dos danos ambientais mediante reflorestamento.”

É possível?

            Para responder a essa questão, precisamos analisá-la sob o sistema do julgamento do Recurso Extraordinário 654.833 (Tema 999), pelo Supremo Tribunal Federal, e aos olhos da Súmula 623, do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

            A mencionada súmula do STJ deixa claro que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, ou seja, inerentes à coisa, inerentes ao bem, sendo admissível que o credor as cobre do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à sua escolha.

            Assim dizendo, de acordo com o entendimento do STF sobre imprescritibilidade e a Súmula 623 do STJ, respondendo à pergunta feita anteriormente, sim, é possível que o Ministério Público ajuíze ação contra Antônio, comprador do imóvel/proprietário atual que não causou diretamente o dano ambiental, pois, como dito, foi causado por João, antigo dono há mais de cinquenta anos.

            Isso é possível pois a pretensão de reparação civil de danos ambientais – reparação do dano, e não pagamento de multas de autos de infração etc., pois essa é prescritível e não se transfere ao adquirente – é imprescritível, segundo o STF. E, por sua vez, de acordo com o STJ, o credor, no exemplo o Ministério Público, poderá cobrá-la do atual proprietário ou possuidor e/ou dos anteriores, pelo fato de tal obrigação possuir natureza propter rem.

            Num pano rápido, esse é o entendimento que chegamos quando analisamos conjuntamente o atual entendimento do STF e a Súmula 623 do STJ; contudo, para que se chegue a uma análise mais aprimorada e a um entendimento mais profundo desse raciocínio a um caso prático real, tantas outras questões devem ser analisadas, tais como a segurança jurídica, o ato jurídico perfeito, o princípio do tempus regit actum etc.

            Daí a importância de se analisar com cautela eventual “passivo” ambiental existente em determinado imóvel rural quando se tem a intenção de compra, pois, como visto, e de acordo com os atuais precedentes de nossos tribunais pátrios, eventual obrigação de reparação de danos ambientais irá acompanhar o imóvel e poderá recair sobre o comprador.

Diego Henrique Rossaneis – Advogado

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