plantação de cana na natureza

Cana-de-açúcar para diabéticos

09/01/2020 08:39

Quem teve a oportunidade de conhecer a região amazônica sabe muito bem que todo santo dia chove.

A dúvida é se a chuva ocorrerá às 15 horas ou às 16 horas, mas que chove, isso chove.

A cana-de-açúcar, como todo vegetal, necessita de alguns insumos naturais para se desenvolver e cumprir o seu papel na natureza, que é a perpetuação da espécie: luz, água e sais minerais.

É sabido que todo vegetal e alguns outros seres vivos fazem fotossíntese para o seu desenvolvimento. A fotossíntese é um processo realizado pelas plantas para produção de seu próprio alimento. De forma simples, podemos entender este processo da seguinte maneira: a fotossíntese acontece quando a água e os sais minerais são retirados do solo através da raiz da planta e percorrem o caule até as folhas em forma de seiva. Nas células das folhas há muitas estruturas chamadas cloroplastos que contêm a clorofila, o pigmento que dá a cor verde à planta. Estes, retiram gás carbônico do ar e energia do sol. Através deste processo, a planta produz seu próprio alimento constituído essencialmente por glicose, um açúcar simples denominado de monossacarídeo. Desta forma, sempre que houver luz, haverá a fotossíntese.

É necessário entender que quando há disponibilidade de água, esse processo é facilitado e acelerado. Como visto anteriormente, a cana-de-açúcar produz, inicialmente, um monossacarídeo denominado glicose, mas também, por via metabólica, um outro monossacarídeo denominado frutose.

A união destes monossacarídeos resulta em uma série de moléculas largamente conhecidas pelo homem, sendo a primeira delas um dissacarídeo resultado da união de dois monossacarídeos: a sacarose ou o açúcar de mesa que utilizamos para confeccionar nossos alimentos e bebidas.

Outros compostos também são formados pela união dos monossacarídeos como, por exemplo, o amido, a celulose, a hemicelulose, a lignina e outros tantos. A celulose, hemicelulose e lignina, juntas, formam os vasos lenhosos, tecnicamente denominados de fibra, necessários para o desenvolvimento e sustentação das plantas e transporte da seiva para as folhas. Com disponibilidade de água, a cana-de-açúcar tem seu primeiro estágio de desenvolvimento, o crescimento vegetativo, isto é, a formação prioritária de vasos lenhosos e basicamente pouca reserva de açúcar, uma vez que estes são usados para o crescimento vegetativo.

Então, pergunta o leitor, como a cana-de-açúcar nos fornece o açúcar?

Bastante simples! Em escassez de água, o processo fotossintético continua, mas ao invés de produzir vasos lenhosos, a planta armazena energia na forma de sacarose por ocupar menor espaço no interior das células para, quando houver novamente a disponibilidade de umidade, utilizar esta reserva para voltar a crescer e tentar completar seu ciclo vegetativo produzindo novos indivíduos através das sementes de suas flores.

Pois bem, é nessa fase que tiramos o que nos interessa, ou seja, a sacarose. Controlando a quantidade de energia armazenada na cana-de-açúcar podemos tirar o máximo possível de açúcar antes que a época das chuvas retorne, pois aí haverá, além da dificuldade de tirar a matéria-prima do campo, uma menor concentração de sacarose em relação ao seu ápice na maturação.

Isso explica a razão da safra na região Centro-Sul ser nos meses de inverno e a do Norte-Nordeste nos meses de verão. Entendido o anteriormente exposto, clareamos as ideias de que se plantarmos cana-de-açúcar na Amazônia, a chance de sucesso de sermos bem-sucedidos financeiramente é muito remota, uma vez que naquela região não há época de seca.

Dificilmente alguém em seu estado consciente de raciocínio iria querer arriscar produzir cana-de-açúcar naquela região para a extração da sacarose.

Mas, mesmo assim, em 1974, o Incra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), inaugurou, na cidade de Medicilândia, às margens da Transamazônica, uma unidade industrial que foi vendida em 1994 e fechada em 2000.

Entendendo esse processo, tornaria desnecessária a revogação do Decreto nº 6.961/2009, que estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar (ZAE Cana), do qual tivemos oportunidade de participar juntamente com os competentes técnicos do Mapa (Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento).

Naquela época visamos elencar quais áreas seriam factíveis de serem utilizadas para o cultivo da cana-de-açúcar com e sem irrigação, não comprometendo os biomas protegidos como Amazônia, Pantanal e outros, e também que não competissem com alimentos. Descobrimos cerca de 64 milhões de hectares, basicamente seis vezes mais do que temos hoje cultivado.

Até o momento, com as variedades de cana-de-açúcar que dispomos, torna-se inviável querer produzir açúcar ou etanol naquela região, a não ser que queiram produzir cana-de-açúcar para diabéticos, ou seja, uma cana bastante rica em água,mas sem açúcar.

Fonte: Revista Canavieiros

Octavio Antonio Valsechi

*Octavio Antonio Valsechi é engenheiro agrônomo, mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos (USP), doutor em Ciências Biológicas (Unesp) e professor associado no Departamento de Tecnologia Agroindustrial e Socioeconomia Rural do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (DTAISER/CCA/UFSCar)

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